...Inês d`Orey. Fotógrafa do Porto de 29 anos. Tem formação superior em Relações Internacionais, Culturais e Políticas (Universidade do Minho) e um bacharelato em fotografia (London College of Printing). Entre 1999 e 2002 foi bolseira do Centro Português de Fotografia. Já participou numa dezena de exposições colectivas. Desde 2001 que expõe individualmente. Vencedora do prémio Novo Talento FNAC Fotografia 2007 com o projecto Porto Interior. Foi uma das fotógrafas seleccionadas para a exposição de novos talentos DESCUBRIMIENTOS da PHOTOESPAÑA2007.
Quando foste para a Universidade do Minho para o curso de Relações Internacionais já ias de máquina fotográfica ao peito?
Não, não. Nunca pensei que me tornaria fotógrafa de um dia para o outro. Quando fui para o curso pensei que viria a trabalhar numa organização internacional qualquer. Mas, mais ou menos a meio, envolvi-me no teatro universitário e comecei a fotografar. Nessa altura tirei um curso básico de fotografia no IPJ de Braga, onde aprendi a revelar a preto e branco e outras coisas do género. A partir daqui as coisas começaram a mudar. Continuei a fotografar teatro e no 3º ano descobri que queria mudar de área, mas decidi acabar o curso na mesma.
Fotografavas apenas o grupo de teatro da universidade ou foste para a cidade à procura de outras companhias?
Para além das peças do TUM [Teatro Universitário do Minho] fotografei outras companhias que iam a Braga, essencialmente do Porto.
Vendias essas fotografias?
Não. Bom, acho que na altura me pagavam alguma coisa para fotografar, não me lembro bem. Mas isso para mim não era importante.
E este curso de Relações Internacionais que também tem Cultura no nome contribuiu alguma coisa para despertar este interesse pela fotografia ou foi só o curso do IPJ?
Foi o do IPJ, claro. O curso da universidade era interessante, mas não me entusiasmou minimamente. Tirando dois ou três professores, parecia a continuação do secundário. Nesse aspecto foi uma grande desilusão.
E as primeiras revelações a preto e branco?
Foi um entusiasmo quando via a primeira fotografia a aparecer. Foi uma emoção enorme.
E a partir dessa altura começas a fotografar regularmente?
Foi um processo gradual, mas fotografava essencialmente peças de teatro.
...que são difíceis de fotografar, porque normalmente há pouca luz...
Tecnicamente é mais complicado. Mas não se pode fazer muito mais do que apanhar o desenho de luz que existe em palco, a não ser que decidas tu próprio iluminar o espaço.
O teatro foi a única área onde desenvolveste um trabalho regular antes de ires para Londres?
Sim, foi basicamente isto. Foi por aqui que comecei. Depois deixei de o fazer durante muito tempo e agora retomei há cerca de 2 anos.
Vi no teu site um trabalho sobre mulheres portuguesas radicadas em Londres. Foi feito para o curso?
Foi o meu projecto final. Fotografei 12 mulheres. Pedi-lhes que escolhessem um objecto pessoas que tivesse algum significado para elas e depois que escrevessem um texto sobre ele. Depois fotografei os três – o retrato, o objecto e o texto – e foram expostos como trípticos. Essa exposição veio depois para cá, para o Artes em Partes [no Porto].
Então foi essa a tua primeira exposição em Portugal?
Não. Houve antes disso algumas fotografias de teatro nos Encontros de Imagem de Braga.
Sem ser estes trabalhos “académicos” não te estendias para além daquilo que te era pedido no curso?
Não. Eu não fotografo muito. Não sou muito produtiva. Gosto de pensar bem aquilo que vou fazer.
Não és uma fotógrafa espontânea...
Não, não gosto de apanhar o momento. Não é isso que me interessa. Nas, férias, por exemplo, não tiro fotografias. E por isso, em Londres, acabei por concretizar essencialmente os projectos que me eram pedidos, que eram projectos longos. Estava quase sempre a fotografar para os projectos, nunca estava parada.
E depois de Londres?
Vim para Portugal, para Lisboa. Estive lá durante uns meses, mas a experiência não correu muito bem. Não se passou nada.
Achaste que Lisboa seria a cidade ideal para continuares o teu trabalho como fotógrafa?
Sim, foi isso. Achei também que sentiria menos a diferença de tamanhos entre as cidades se fosse para Lisboa. E fui também porque gosto de Lisboa e queria viver lá. Mas a experiência em termos profissionais não resultou e voltei para o Porto.
Mas foste para Lisboa com algum projecto em mente ou ficaste na expectativa que fosse surgir alguma coisa?
Que tivesse a ver com a cidade directamente não. Na altura não fotografava o que fotografo agora. Fazia coisas diferentes. Projectos que envolviam pessoas. O tipo de trabalho artístico que faço agora mudou muito por causa do meu trabalho mais comercial.
E essa influência é mais recente?
É muito mais recente.
Mas não conseguiste concretizar nenhum projecto enquanto estiveste em Lisboa?
Não, nada. Não sei o que se passou, mas fiquei sem inspiração. Não aconteceu nada.
Isso é estranho...
Sim, foi. No regresso ao Porto comecei a trabalhar num atelier especializado em fotografia de arquitectura e foi a partir daqui que mudou também o tipo de fotografia que fazia. Quando deixei o atelier estive um tempo sem fotografar projectos com esse lado mais artístico. Criei o Alma Mate e desde então que fotografo sozinha, como freelancer. Durante dois anos fiquei totalmente dedicada à empresa. E não senti muito a falta de fazer projectos mais conceptuais. Foi uma fase em que quis estar com a cabeça apenas no trabalho comercial.
E hoje continuas a fazer esse género de trabalho?
Sim, é o que me ocupa mais tempo.
A fotografia de arquitectura influenciou a tua forma de ver as coisas?
De certa forma fez com que começasse a encontrar interesse e beleza num espaço. Coisa que se calhar não acontecia tanto antes. Funcionou quase como uma formação.
Como é que abordas os espaços para os fotografares para o projecto Porto Interior?
Varia muito. Posso já conhecer os espaços e aí decido rápido se os quero fotografar. Não costumo demorar muito a fotografar quando encontro aquilo que quero. Não demoro, não tenho paciência para estar muito tempo num sítio a decidir se o quero fotografar ou não. Por isso é que também fotografo em digital – um suporte que foi o melhor que podia ter acontecido à fotografia.
Percebi que trabalhas as fotografias digitalmente. O que é que procuras dar ainda mais à fotografia depois de a concretizares na máquina?
Uma coisa que faço sempre, em relação à fotografia de arquitectura, é corrigir a perspectiva e as distorções. São coisas técnicas para tentar aproximar o mais possível a fotografia da realidade. Em relação às outras imagens, há coisas que se podem sempre melhorar, como as sombras e a luz.
Em Porto Interior há uma textura imaginada nas fotografias...
Sim, quis fazer isso em todas as fotografias. Quis distanciá-las das imagens típicas de revista de arquitectura e dar-lhes uma identidade própria.
Perdes muito tempo com esse trabalho de pós-produção?
Sim, muito mais do que a fotografar, especialmente na fotografia comercial.
Por que é que a certa altura deixaste de ter pessoas nas fotografias e preferiste dar apenas o seu rasto, como se fossem fantasmas?
Porque gosto da sensação que dá a ausência de pessoas. Se calhar, é um pouco isso que procuro, a explicação de sentimentos como a solidão, o abandono, a nostalgia e a melancolia. Foram sentimentos como estes que encontrei nos espaços que tenho visitado e fotografado.
É assim que sentes o Porto, com essa carga de adjectivos com que acabaste de classificar as tuas fotografias?
Não sei se isto é o Porto, Portugal ou eu...
Tens algum trabalho a correr para além deste Porto Interior?
Vou começar um agora que ainda está em fase de aprovação burocrática, mas prefiro manter o tema em segredo. Mas o meu trabalho comercial não é só fotografia de arquitectura...
Pois, vi também no site que tens fotografias em capas de livros...
Sim, costumava colaborar pontualmente com a Cosmorama e a com a Quasi. Tenho agora uma relação que se pode chamar mais “oficial” com a Cosmorama, uma editora pequena aqui do Porto que publica essencialmente poesia.
Como é que funciona esse trabalho?
A editora vê o meu portfolio e pergunta se pode usar determinada fotografia.
E não tens curiosidade de ler o texto?
Tenho. Eles mandam-me o texto para eu ver. Mas eu assumo que seja adequado para usar esta ou aquela fotografia. A escolha nunca me pareceu deslocada. Fiz também uma série de imagens que tivessem a ver com o corpo. E a editora pediu a poetas que escrevessem sobre as fotografias. Aqui o processo foi ao contrário.
Esse trabalho agrada-te?
Sim, gosto imenso de fazer. Fiz tambem a maquete de um livro que estou a tentar editar. (Não sou grande coisa a arranjar apoios...). Dei uma fotografia a nove novos escritores portugueses e pedi-lhes que escrevessem sobre ela.
E para além da fotografia “editorial” e de arquitectura fazes outras coisas?
Um pouco de tudo. Tenho feito também alguma moda para uma revista do Porto que se chama By Pass. Não é um trabalho de que me orgulhe muito, mas gostava de experimentar esta área.
Mas esse tipo de fotografias tem pessoas...
Sim. Mas é diferente. É tudo muito cénico e produzido.
Há também esta grande notícia de teres sido uma das seleccionadas para o Descubrimientos do PH07. Como é que encaraste esta escolha?
O mais interessante no PHE é a oportunidade de falar com pessoas do mundo da fotografia que podem vir a seleccionar o trabalho para outras iniciativas ligadas à fotografia. Podemos escolher oito pessoas a quem mostrar o trabalho. E isso é muito importante. Foi através desses contactos que consegui expor agora na Alemanha e na Lituânia. Uma das pessoas com quem falei foi a Laura Serani que foi responsável pelo Prémio Novos Talentos FNAC de fotografia em França e que agora está ligada ao Mois de la Photo. Ela soube que tinha vencido aqui em Portugal e ficou no ar a hipótese de expor em França em 2008 durante o mês da fotografia.
Achas que pode haver agora o efeito bola de neve?
É preciso ter também alguma sorte. O talento tem de estar lá, mas é preciso ter a sorte de conhecer as pessoas certas na altura certa. Sinto que isso não me aconteceu antes. Acho, por exemplo, que foi uma desvantagem ter estado em Londres porque fui perdendo uma rede de contactos que já tinha.
Ouvi dizer que não queres ser artista. O que é que significa isso?
Não me considero artista porque acho que é uma responsabilidade muito grande. Não tenho medo da palavra, mas acho que ainda é um pouco arrogante considerar-me “uma artista”. Tenho muito que provar e que construir. Para além disso gosto muito de fazer trabalho comercial. Acho que as duas vertentes se complementam, ainda que, em Londres, me tenham treinado para ser artista.