Entrevista com Alberto Martín
O PHotoEspaña “anda a reboque de outras iniciativas”
Por Sérgio B. Gomes
 
Nélson Garrido / PÚBLICO
Bruce Davidson, Central Park

 
O crítico de fotografia do diário espanhol El País questiona o actual modelo de funcionamento do PhotoEspaña e elogia a nomeação do Sérgio Mah para comissário do festival.

O modelo que vigorou até à IX edição do PHE esgotou-se?
Se não se esgotou, tem dado mostras de um claro declive. Nas últimas edições não conseguiu impor a força que teve nos primeiros anos de vida. Há alguns aspectos que podem estar na origem desta situação. Por exemplo, três anos podem ser demasiados para o mesmo comissário, com a agravante de o festival ser anual e não bienal. Gerar três discursos diferentes para três edições anuais consecutivas é uma tarefa realmente complicada. O que pode acontecer com esta situação é que sejam criadas três variações, ainda por cima temáticas, do mesmo projecto curatorial. Outro elemento a ter em conta está relacionado com o facto de este festival gerar poucas exposições de produção própria. O que acontece é que as principias mostras programadas andam em itinerância, o que reduz a capacidade de discurso do festival e influencia negativamente a sua capacidade de impacte e novidade. Actualmente, o festival não é capaz de propor novidades e trazer algo de novo ao panorama fotográfico espanhol, quanto mais ao panorama internacional. Isto porque anda a reboque de outras iniciativas.

Acha que as escolhas desta edição foram pouco arriscadas?
Esta última edição foi conservadora, muito conservadora e previsível. Centrou-se nos grandes nomes, em algumas retrospectivas e, sobretudo, voltou-se para a fotografia documental, na sua faceta mais aborrecida, privilegiando o fotojornalismo documental de carácter humanista, bem-intencionado. Aquilo que eram as principias carências deste festival - a ausência de prospecção no panorama internacional e a pouca capacidade para gerar discurso sobre o que se passa no campo da imagem – foram ainda mais evidentes nesta edição. Notou-se também com muita evidência a ausência de um comissário e de um conceito que desse forma à proposta que foi feita. Isso fez com que o festival deste ano fosse uma simples amálgama de exposições, a maior parte das quais sem qualquer novidade. De facto, o chamado Festival Off, que não era mais do que a programação das galerias, era mais interessante do que a selecção oficial.

Esta aposta em alargar o PHE para fora de Espanha significa que o festival esgotou a sua capacidade de crescimento dentro do país ou tem simplesmente ambições que ultrapassam as fronteiras espanholas?
Creio que essa estratégia se reduz a uma questão de necessidade de visibilidade, o que põe, sem dúvida, em evidência a falta de uma verdadeira projecção do festival fora do nosso país. É uma operação de propaganda, tendo em conta que não se tratou de nenhuma actuação consequente. Simplificando: quis apenas conseguir-se alguma publicidade para o logótipo. Na realidade, se o PhotoEspaña quiser mesmo expandir-se, ou expandir o seu modelo dentro do país, uma coisa que, provavelmente, acabará por acontecer à luz do papel do festival para a fotografia espanhola é uma tendência unificadora que acabará por tirar visibilidade a outras iniciativas que hoje em dia trazem variedade e novidade. O PHE tem ambições, mas elas estão dentro das nossas fronteiras.

Que comentário lhe merece a escolha de Sérgio Mah para comissário das próximas três edições do festival?
É uma pessoa com capacidades demonstradas e com um bom conhecimento do panorama internacional, pelo que a sua nomeação pode ser uma boa ocasião para revitalizar o festival. A verdadeira projecção internacional do PHE deve vir daí – de uma verdadeira capacidade para gerar conteúdos interessantes, uma capacidade de convocação e de construir discurso em torno da imagem. Estes são os principais desafios para o novo comissário.

O PHE deveria especializar-se numa área da fotografia ou continuar a ser um festival “generalista” como mais ou menos tem sido até agora?
Primeiro há que ter em conta uma questão: o PHE define-se como um festival de Fotografia e Artes Visuais mas até agora só conseguiu ser um festival de fotografia. Pela sua natureza, pelo modelo e pelo tipo de iniciativa que é, não creio que pode deixar de ser “generalista”. Na minha opinião, hoje têm mais interesse as iniciativas que de alguma maneira encontram a sua própria especificidade que, em consequência, desenvolvem uma identidade própria. É difícil que os festivais generalistas tragam algo de novo, mas pelo menos é preciso que mantenham um certo nível de qualidade. No caso do PhotoEspaña seria suficiente (e não seria pouco) que alcançasse na realidade um alto nível internacional, depois de vários anos a tentar esse objectivo, e que conseguisse ser de facto um festival de fotografia e de artes visuais e não apenas de fotografia. Isto é, um festival que aborde plenamente e em toda a sua complexidade o território da imagem como no fundo proclama o seu enunciado.

Acha que o PHE já conquistou maturidade e reputação suficientes para fazer frente ao Mois de la Photo de Paris?
Precisamente pelo que já foi dito é difícil que actualmente o PHE encontre condições para ultrapassar aquele que na realidade foi o seu modelo de origem. À partida, seria bom para o panorama da fotografia espanhola que o PHE descolasse, que servisse de trampolim para os artistas espanhóis. Mas isso é uma coisa que, até hoje, ainda não se conseguiu.