Entrevista com Claude Bussac, directora do PHotoEspaña
"Este festival é de todos, mas não dependemos de nada"
Por Sérgio B. Gomes
 
Nélson Garrido / PÚBLICO
Nan Goldin, prémio PHotoEspaña 2002

 
Numa altura em que nos aproximamos do fim do PhotoEspaña, que balanço faz da edição deste ano?
É um balanço muito positivo. Esta edição permitiu-nos consolidar a forma como o  festival decorre há dez anos. Em algumas salas o público triplicou e, na maioria, duplicou em relação ao ano passado. Pudemos contar com a colaboração de todas as instituições com quem temos vindo a trabalhar ao longo dos anos. Pode dizer-se que este festival foi de consolidação. Queríamos sublinhar que este festival ainda é jovem – porque dez anos não é muito -, mas já está consolidado. Muitos festivais não chegam a esta idade. E neste aspecto, os nossos objectivos foram cumpridos. Por outro lado, era importante abrir portas a coisas novas. Quisemos dar, por exemplo, maior dimensão à secção Encuentros. O que se fazia nesta área, até agora, eram mesas redondas sobre um tema que resultaram sempre em discussões de alta qualidade. Mas queríamos fazer nos Encuentros debates mais abrangentes e profundos, como se fossem pequenos congressos.

Pode dizer-se que esta foi uma edição de transição?
Pode falar-se de transição. Mas há uma direcção definida. Desde que assumi um cargo de gestão neste festival optei sempre por um discurso conservador porque admiro muito o que foi feito até aqui. Por isso, não há uma grande estratégia de mudança. Um festival é um acontecimento que tem de estar vivo, que tem de adaptar-se ao mundo, ao tempo e às instituições que o rodeia. Neste sentido, não se pode falar de uma transição. É mais correcto falarmos num ano de pausa nos moldes em que o festival tem vindo a decorrer. Mas quando falo em pausa não é no sentido de, no futuro, querer mudar. As pessoas que estiveram a dirigir e a comissariar o festival antes de mim seguiram por uma linha com a qual me identifico. O que é preciso fazer agora é seguir por essa linha e adaptarmo-nos.

Há quem critique uma aposta exagerada nos nomes já consagrados da fotografia mundial. Acha que é justo falar-se de falta de coragem do PHE em epostar em nomes menos conhecidos na selecção oficial?
O muito relativo falar em nomes muito conhecidos. Não é uma visão crítica muito real. Este festival sempre mostrou grandes nomes da fotografia. Um acontecimento desta natureza tem de ter de tudo – tem de ter grandes nomes e tem de ser uma plataforma para novos valores. Parece-me um pouco absurdo fechar a porta aos grandes nomes. São eles que têm geralmente um trabalho de alta qualidade – e o que me interessa é a qualidade. O que não há neste festival é um fio condutor que o torne uma grande exposição. E isso sim, entendo que se possa criticar. Mas dissemos sempre que esta edição era excepcial. Não quisemos, voluntariamente, celebrar esta décima edição à volta de um tema. Foi há volta de tema que se construiu o festival nos últimos nove anos e os próximos nove também vão ser dessa forma. Do ponto de vista conceptual, este conceito permite resultados mais interessantes.

Que critérios foram tidos em conta na escolha do novo comissário Sérgio Mah para as próximas três edições do festival?
Tivemos um processo de selecção. Sondamos várias pessoas que achavamos que tinham o perfil certo, tanto pela sua trajectória profissional como pela sua produção teórica, e pedimo-lhes que apresentassem um projecto. Elegemos depois o comissário em função desse projecto e pelo seu percurso profissional. No caso do Sérgio, pensamos que tem um perfil totalmente adequado ao que procurávamos. Por outro lado, entuasiasma-nos a idea de abrir o festival a novos horizontes, internacionalizá-lo. Já conhecíamos o trabalho do Sérgio porque já tinha colaborado connosco por duas ocasiões. Estamos muito contentes com esta eleição.

A escolha foi consensual?
Foi. Foi escolhido pelo grupo de direcção do La Fabrica [empresa que organiza o PHE].

Que rumo pretendem dar às próximas edições do festival em termos de modelo de funcionamento e conceito?
Primeiro é preciso dar a conhecer todos os pormenores ao novo comissário para que possa desenvolver o seu projecto e as suas apostas. Manter os Encuentros com um grande formato, à semelhança do que se passou este ano, com debates mais abertos dirigidos por uma personalidade forte, mas não necessariamente relacionada com o tema da programação. No próximo ano, que fará este papel será Joan Fontcuberta. Depois temos de continuar com a qualidade que conseguimos atingir nas áreas que tem a ver com a formação e plataformas para novos artistas, como o Campus e os Descubrimientos. É uma parte muito importante do festival e que tem conseguido um nível de exigência muito alto. Queremos também apostar nas ruas. Este ano fizemos uma noite da fotografia com projecções em várias praças da cidade. É o tipo de actividade onde é possível juntar um projecto artístico de qualidade com as pessoas dos bairros e que andam na rua.

O PHE sobreviveria sem o apoio financeiro do estado espanhol e da comunidade de Madrid?
O financimento do festival dependente em 40 por cento de instituições públicas e 60 por cento instituições privadas. Se por exemplo, amanhã, a comunidade de Madrid decidisse cortar o seu subsídio, seria difícil, mas o festival sobreviveria. Este festival é de todos, mas não dependemos de nada. Obviamente, esperamos que os cortes não aconteçam porque achamos que este projecto faz todo o sentido para a cidade. Creio que uma das chaves deste festival, para além de ter sabido renovar-se a nível artístico, é que todo o seu planeamento - cultural e financeiro – é muito independente e vem da sociedade civil. E isso faz com que todos o sintam seu. Isto soa politicamente correcto, mas é mesmo assim. Alguns festivais dependem demasiado de uma instituição. E isso faz com que estejam perpetuamente em crise. Se há uma reviravolta política ou qualquer outra mudança importante vão ter problemas. Uma mudança política era capaz de nos influenciar, mas não nos colocaria em perigo. Teríamos de repensar um certo tipo de actividades ou mesmo renunciar a algumas, mas não desapareceríamos. Este ano, por exemplo, conseguimos o apoio financeiro de mais 13 instituições, públicas e privadas, em relação ao ano anterior. É verdade que também saíram sete, mas, mesmo assim, ainda ficamos com um saldo positivo de seis instituições. Esta renovação só é possível com um grande empenhamento na planificação e com uma grande independência.

Este ano, alargaram o PHE para fora de Madrid e para França. Estão a pensar alargar o festival a Portugal?
Ficaríamos muito felizes se isso acontecesse. Esta experiência além-fronteiras, em França, foi uma iniciativa muito relacionada com o décimo aniversário. Não foi um planeamento estratégico. Quando entrei para a direcção, em Setembro do ano passado, o director do festival de Arles sugeriu que fizéssemos alguma coisa em conjunto por causa do aniversário. Era para ser uma simples relação de cortesia, mas o resultado final foi espectacular. A experiência foi muito positiva e agora temos vontade de, em cada ano, fazer duas ou três actividades fora de Espanha. E, neste contexto, Portugal é uma hipótese. Ainda não discutimos este assunto, mas o certo é que queremos continuar a fazer coisas fora.

Esta viagem para lá da fronteira, é o primeiro passo para fazer frente ao Mois de la Photo de Paris?
Eu acho que, por exemplo, em termos de visibilidade, o PHE já está ao nível do Mois de la Photo. O PHE não é um festival como o de Arles, nem como o Mois de la Photo. É um festival com características próprias que se situa no meio destes dois conceitos. Concluindo, não houve uma estratégia para fazer frente ao Mois de la Photo.

Acha que as exposições de fotografia podem hoje concorrer com as mostras dedicadas aos grandes nomes da pintura?
Sim, claro que sim. Vemos que cada vez mais há exposições que atraem muita gente. São capaz de não ter os mesmos números que os grandes clássicos da pintura, mas pouco a pouco a fotografia vai ocupando o seu espaço nos museus.  

A imagem fotográfica como objecto artístico foi desprezada durante anos a fio. Acha que este suporte deixou de ser definitivamente o parente pobre da arte?
Não só deixou de ser o parente pobre, como tem um grande futuro em aberto. A Bienal de Veneza e todas as grandes feiras de arte têm cada vez mais fotografia.

Que expectativas tem em relação às próximas edições do festival?
São mais do que expectativas, são ambições que passam sobretudo por fazer exposições de alta qualidade. E julgo que o Sérgio é a pessoa indicada para conseguir isso, porque acho que a sua programação tem todos os ingredientes necessários. Tem algum risco e ao mesmo tempo chegar a um público cada vez mais amplo e mais jovem. Penso que as actividades deste festival são um luxo em Madrid. São quase todas gratuitas. No fundo queremos melhorar ainda mais aquilo que correu menos bem este ano.