Entrevista com Sérgio Mah
“Nunca comprei fotografia na minha vida”
Por Sérgio B. Gomes
|
Nélson Garrido / PÚBLICO |
|
Fotógrafos Insospechados, Celebridades detrás del objetivo |
A decisão já tinha sido tomada há algum tempo, mas só recentemente foi conhecida. Hoje, Sérgio Mah vai ser oficialmente anunciado como comissário do PHotoEspaña, o festival de fotografia e artes visuais que procura renovar-se depois de comemorar dez anos de existência.
Que importância atribui actualmente, no contexto europeu, ao PHotoEspaña, para o qual acaba de ser nomeado comissário?
O PHotoEspaña é um dos mais importantes eventos na Europa dedicados à fotografia. E em termos de dimensão e qualidade programática penso que ocupa um lugar de referência. Para além das exposições é preciso ter em conta a qualidade de um conjunto muito significativo de actividades como ciclos de conferências e debates, apresentações de fotógrafos, visionamento de portfolios, etc.
Que exposição mais o surpreendeu no PHE deste ano?
Gostei especialmente da exposição sobre o Neorealismo italiano e a exposição Local. El fin de la globalizacion. Gostei da forma como foram concebidas, confirmei a qualidade dos autores e dos trabalhos, e, sobretudo, são temas que considero muito produtivos e pertinentes para o contexto da fotografia.
E o espaço para expor fotografia que mais lhe agradou?
É difícil responder a essa questão. A adequabilidade do espaço depende da natureza das imagens, das suas características formais e conceptuais, da dimensão e quantidade. Portanto, diria que cada trabalho fotográfico “merece” o seu espaço e cada espaço é mais adequado para certas fotografias. Mas pensando em abstracto existem obviamente espaços muito interessantes como o da Fundação Telefónica, do Museu Reina Sofia, do Centro Cultural de la Villa.
Está a pensar fazer um prolongamento do PHE em Portugal, como este ano foi feito em França?
Esse tipo de estratégia não cabe ao comissário-geral e sim à direcção do PHE. Eu programo para onde me disserem que devo programar.
Já tem algum tema escolhido para o próximo festival?
Já existe um tema mas ainda é prematuro anunciá-lo.
O que é que vai ficar do formato antigo nas próximas edições da mostra? Há alguma mudança radical em marcha?
Não prevejo nenhuma mudança radical em termos de formato. Em todo o caso penso que será inevitável que se venham a notar inflexões programáticas quando comparadas com as edições anteriores. Isto não indicia nenhum juízo de valor em relação aos meus antecessores, que realizaram um trabalho muito meritório e que contribuíram decisivamente para o prestígio actual do PHotoEspaña. Trata-se sobretudo de afirmar as minhas ideias, motivações e preferências. Julgo que também foi para isso que me convidaram: para definir e potenciar outras perspectivas sobre o campo da fotografia e suas relações com as artes visuais.
Multiplicam-se os festivais e as feiras de fotografia. Não teme que seja demasiado saturante manter um festival anual como o PHE?
Não necessariamente. Em primeiro lugar, é preciso dizer que a saturação não se cinge aos eventos relacionados com a fotografia. Uma das características da oferta cultural no mundo ocidental é a excessiva profusão de produtos e acontecimentos culturais. Repare que no mês de Junho, e no espaço de uma semana, inauguraram a Bienal de Veneza, a Feira de Basel, a Documenta de Kassel e os projectos de escultura em Munster. Portanto, reconheço que o panorama é superabundante e que pode proporcionar resultados contraditórios. Mas isso também tem o seu lado positivo, porque introduz um factor de competitividade que é importante, porque instiga os programadores a serem mais exigentes e ambiciosos, a procurarem estratégias mais distintivas e “idiossincráticas”. Por isso é que a aposta deve ser na qualidade dos projectos e dos contextos de exibição.
A câmara de Lisboa decidiu este ano não fazer o LisboaPhoto afirmando que pretende associar-se a um grupo de festivais que tem o apoio da União Europeia. Que comentário lhe merece esta mudança de rumo?
Acho inqualificável. É uma lógica de “franchise cultural” que considero lamentável. A LisboaPhoto só faz sentido se for um projecto pensado e concebido a partir do contexto português.
Em que pressupostos/critérios se apoia para escolher determinado artista ou exposição para um festival desta natureza?
Os critérios variam consoante o artista ou os trabalhos. Diria, de uma forma subjectiva, que os critérios principais são a qualidade e a pertinência. Mas isto é tudo muito vago. Depende obviamente do que andamos à procura para concretizar uma determinada direcção programática. Por exemplo, o processo de selecção de um autor consagrado envolve uma análise muito distinta da que temos quando estamos à procura de um jovem artista contemporâneo. Depende de muitos factores e os factores variam consoante as circunstâncias. Depois há ainda os critérios mais propriamente “políticos”. Por exemplo, dar visibilidade aos artistas nacionais, neste caso espanhóis. Mostrar autores de diferentes geografias, idades, género, etc.
Há algum país que se destaque actualmente na criação fotográfica contemporânea?
Existem vários países que se destacam. Aliás, penso que é mais correcto dizer que existem países em que os respectivos campos sociais da fotografia são mais produtivos e eficazes. O que se passa é que há países, como os Estados Unidos, a Alemanha, a França e o Japão que sempre tiveram uma cultura fotográfica muito forte. E entendo por uma cultura fotográfica forte o resultado da prevalência de um circuito institucional que potencia a consistência dessa paisagem criativa: a existência de boas escolas de fotografia, a importância dos museus e das galerias na legitimação das obras fotográficas, o papel do jornalismo cultural, e a qualidade e incidência da produção teórica e historiográfica. Já reparou na quantidade de histórias da fotografia escritas por autores americanos? Por isso é inevitável que destaquem os autores americanos. Isso não significa necessariamente uma tendência nacionalista. A justificação é mais prosaica: tende-se a escolher aquilo que se conhece melhor.
Portanto, em vez de se falar em países que se destacam pela qualidade dos seus fotógrafos deve-se sobretudo ter em atenção a preponderância e a eficácia de determinados contextos sociais, a um nível mais local ou nacional, que ao longo do tempo se foram impondo como contextos de visibilidade, afirmação e legitimação dos fotógrafos e dos seus trabalhos.
Parece estar mais dinâmica do que nunca a criação artística que usa de alguma forma o suporte fotográfico. A que se deve esta vitalidade?
Não sei se a fotografia contemporânea está mais dinâmica do que a dos anos 70 ou a dos anos 20. O que está indiscutivelmente mais dinâmico são os contextos artísticos de circulação e de visibilidade e sobretudo o mercado da fotografia de autor. Por outro lado, a situação pode parecer mais dinâmica porque aos poucos têm-se vindo a dissipar os equívocos entre os circuitos dos fotógrafos artistas e o dos artistas que usam a fotografia. Daí que o panorama agora pareça mais alargado.
Recentemente, no Porto, o designer Andrew Howard concebeu uma exposição de fotografias tiradas a partir das máquinas instaladas em telemóveis. Para além de tentar provar que estas imagens também carregam em si um valor estético, tentou pensar-se a forma como as gerações mais novas lidam com este formato de fotografia. Como é olha para esta realidade da fotografia digital de baixa resolução captada, não só de telemóveis, mas a partir de vários gadgets cada vez mais presentes no nosso dia-a-dia?
Acho esses fenómenos muito interessantes e mostram até que ponto a criatividade na fotografia envolve domesticação e manipulação dos dispositivos tecnológicos. Esse lado mundano da fotografia é parte integrante da sua singularidade na cultura moderna e contemporânea. Por isso é que tenho insistido sempre na necessidade de pensar a fotografia muito para além da esfera do artístico.
Costuma comprar fotografia com um propósito coleccionista? Que importância atribui às colecções privadas de fotografia?
Nunca comprei fotografia na minha vida. Não tenho nenhum impulso coleccionista. Quanto às colecções privadas, fico muito satisfeito com a proliferação de colecções de fotografia em Portugal. Em primeiro lugar, porque beneficia os fotógrafos, permitindo-lhes um maior investimento nas suas trajectórias criativas. |