Depoimento de Sérgio Mah, comissário do PHotoEspaña
“A luz na obra dos Becher é fundamental e criteriosa”
Por Sérgio B. Gomes
 
  
Bernd & Hilla Becher, Pitheads, 1974 (Tate Collection)

 

Que importância atribui ao trabalho iniciado por Bernd e Hilla Becher no panorama actual da fotografia?
Bernd e Hilla Becher são dois nomes fundamentais do panorama contemporâneo da fotografia. Foram muito influentes e por diversas razões. Em primeiro lugar pela singularidade de um modus operandi que assentou em rigorosos parâmetros técnicos e formais. Depois porque a sua obra foi determinante para a crescente revalorização das competências artísticas da fotografia documental no contexto das artes plásticas. Enquanto documentos fotográficos o trabalho dos Becher reforçou uma concepção paradoxal da imagem fotográfica porque, apesar da sua frieza e aparente inexpressividade, são imagens que possuem um significante potencial metafórico não só sobre representação da arquitectura, mas sobretudo sobre a análise de uma paisagem social e um modelo civilizacional que são marcas da modernidade europeia.

 

A nova objectividade alemã na fotografia está na moda ou é uma corrente que já se afirmou?
Em primeiro lugar a Nova Objectividade não foi inventada pelo casal Becher. Ela surgiu nos anos 20, sob a batuta do fotógrafo Albert Renger-Patzsch. A ideia era restaurar uma visão factual e realista do mundo moderno através da maximização das qualidades descritivas da fotografia. Nesse sentido, o trabalho dos Becher bem como de outros fotógrafos mais recentes é devedor dessas tendências alemãs nos anos 20, mas também é preciso não esquecer a enorme e diversificada tradição do género da fotografia topográfica, que foi muito importante no século XIX, por exemplo, com Carleton Watkins na América e Edouard Baldus na Europa, até Walker Evans já a partir da década de 30 do século XX. Para responder à sua pergunta, não creio que esteja na moda porque sempre esteve presente e portanto não um movimento efémero.

 

Para além dos artistas saídos da chamada “escola de Dusseldorf” ou “escola Becher”, nota algum tipo de influência desta maneira depurada de fazer fotografia noutro grupo de artistas?
É preciso dizer que não existe “escola de dusseldorf”. É um mito. Essa é um expressão criada no exterior e que é rejeitada na Alemanha, em especial na região de Dusseldorf. Nem todos os fotógrafos dessa cidade fotografam “à Becher”. Em rigor, deve-se falar apenas no grupo dos estudantes da classe do Bernd Becher. Bernd Becher era apenas um de vários professores e trabalhava com um grupo mais ou menos restrito alunos. Esses sim foram fortemente influenciados pelo Becher e pelos fotógrafos americanos que ia dando a conhecer a esses alunos. Estou a falar por exemplo de fotógrafos como o Stephen Shore, o Lewis Baltz e os restantes fotógrafos associados aos “New Topographics”.

 

Que comentário lhe merece a secundarização da importância da luz a favor da forma no trabalho destes artistas?
Não creio que haja um secundarização da luz a favor da forma. Pelo contrário, a luz na obra dos Becher é fundamental e criteriosa. É a que permite definir um padrão de descrição e reconhecimento das estruturas arquitectónicas que eles foram sistematicamente fotografando.

 

Acha que há neste projecto meticuloso alguma espécie de saudosismo por uma certa maneira de fazer fotografia à século XIX, muito empenhada em catalogar o mundo?
Não penso que seja saudosista até porque não é uma coisa do século XIX. Esteve sempre presente até hoje. Diria que a fotografia este sempre envolvida nos fenómenos de mapeamento e catalogação visual do mundo em que vivemos. O Google Earth é a prova irrefutável desse apelo que persiste e que se vai deslocando para novos horizontes perceptivos, ao sabor dos avanços tecnológicos que têm a esse nível um papel decisivo.